Mascote do Paraná Clube

Porque a Gralha Azul

A gralha azul é o principal animal disseminador da araucária. Durante outono, quando as araucárias frutificam, bandos de gralhas laboriosamente estocam os pinhões para deles se alimentar posteriormente. As gralhas azuis encravam fortemente os pinhões no solo ou em troncos caídos no solo, já em processo de putrefação, ou mesmo nas partes aéreas de raízes nas mesmas condições, local propício para a formação de uma nova árvore. No folclore do estado do Paraná atribui-se a formação e manutenção das florestas de araucária a este pássaro, como uma missão divina, razão porque as espingardas explodiriam ou negariam fogo quando para elas apontadas. Talvez por esta razão a Lei Estadual n. 7957 de 21 de novembro de 1984 a consagra como “ave símbolo” do Estado do Paraná. Art. 1º. – É declarada ave-símbolo do Paraná o passeriforme denominado Gralha-Azul, Cyanocorax caeruleus, cuja festa será comemorada anualmente durante a semana do meio ambiente, quando a Secretaria da Educação promoverá campanha elucidativa sobre a relevância daquela espécie avícola no desenvolvimento florestal do Estado, bem como no seu equilíbrio ecológico. Desde modo, a gralha azul como a árvore araucária, passaram a morar não só na natureza, mas também no coração de todos os paranaenses.

A Gralha Azul no folclore brasileiro e paranaense

A primeira publicação de Lenda da Gralha Azul, deve-se a Eurico Branco Ribeiro, que bem a representou em seu livro “A Sombra dos Pinheirais”, no ano de 1925. Também foi elemento divinamente explorado pelas artistas plásticas: Clotilde Cravo (pinturas no acervo do Museu Paranaense, em Curitiba) e Poty Lazzarotto (painel exposto na Travessa Nestor de Castro em Curitiba), dentre vários outros. Posteriormente o folclorista Luiz da Câmara Cascudo a eternizou em sua majestosa lenda.

A lenda da Gralha Azul (versão de Luiz da Câmara Cascudo)

Chegou à fazenda dos Pinheirinhos, Fidêncio Silva, um grande homem de negócios, com casa matriz em Curitiba e filial em Ponta Grossa. Veio em busca de repouso, necessitava urgentemente afastar-se dos alvoroços dos negócios. Fidêncio era parente afastado da esposa de José Fernandes. Não tardou, para aquele homem desgastado por inúmeros compromissos, sorvesse o ar puro e varrido da campanha guarapuavana. José Fernandes tinha o recebido com muita pompa, como merecia o ilustre visitante. Pôs os Pinheirinhos à disposição do seu hóspede pelo tempo que desejasse. Não precisou falar duas vezes, lá encontrava-se Fidêncio, com alma livre como passarinho, à sombra do pomar, folheando um livro, ou não fazendo nada mesmo. Passeios não lhe faltavam, por vezes ia ao rodeio, caminhava volteando o rincão….. Um dia passarinhava pelos capões, noutro corria a vizinhança para trocar um dedo de prosa com os caboclos e até pescaria, se quisesse, poderia fazer no picuiry, três léguas sertão adentro.

E, assim, transcorreram trinta dias agradabilíssimos, que Fidêncio Silva tinha programado para passar nos Pinheirinhos. E assim foi. Num domingo depois do almoço, saiu a caça com o fazendeiro. Municiados e com espingardas suspensas pelas bandoleiras ao ombro, embrenharam-se os dois pelo extenso e tapado capão, “querência certa de muita, cutia e quati”, como afirmava José Fernandes.

Mas os caçadores não viam um animalzinho sequer que merecesse chumbo grosso, até que em um momento, Fidêncio parou, engatilhou, firmou pontaria, visando a fronde de retorcida guabirobeira. O fazendeiro ergueu os olhos para olhar a caça e um súbito tremor lhe sacudiu o corpo e, de um pincho, estava ao lado de Fidêncio.

Mas já era tarde, pois o revôo do tiro já perdia-se pela mata, a evocar profunda tristeza na quietude frouxa de um mormaço estonteante. Mas…felizmente, o atirador havia errado o alvo e o fazendeiro então, desafoga um suspiro de satisfação, dizendo: -“Meus parabéns!” -“Parabéns???”, pergunta boquiaberto Fidêncio Silva. – “Aguarde-me, que lhe contarei tudo. Sente-se aí nesse tronco e escute-me.”

Foi quando então, José Fernandes, depois de tirar um lenço para enxugar o suor que corria pelo rosto, também sentou preguiçosamente sobre a trançada grama e foi falando: -“Era inverno, há quinze anos atrás. Havia muita seca e o gado caía de magro. Certa tarde montei a cavalo e saí a costear banhados e percorrer sangas, na esperança de salvar alguma criação que porventura se atolasse ao saciar a sede. Carregava comigo uma espingarda, pois naquele tempo não poupava graxaim. Quando retornava, avistei um bando de gralhas azuis descer à beira de um capão, entre numeroso grupo de pinheirinhos. Aproximei-me vagarosamente e notei que elas revolviam o solo com o bico. Fiz pontaria e aí, a espoleta estraçalhou-se e vários estilhaços vieram dar em meu rosto. Tonteei e caí sobre a macega. Quanto tempo fiquei desacordado não sei dizer.

Porém, antes de recuperar os sentidos, quando o Sol já procurava encobrir-se por detrás do horizonte, algo mágico aconteceu. Revi-me de arma em punho, pronto para fazer fogo. Foi neste momento que a gralha azul, com suas asas brilhantes abertas, o peito a sangrar, veio se chegando a mim. Os pés franzinos evitavam os sapés esparsos pelo chão e o andar esbelto tinha qualquer coisa de divino.

Permaneci estático e estarreci ao ouvir os sonoros e compreensíveis sons que aquele delicado bico soltava naturalmente. Dizia ela: – És um assassino! Tuas leis não te proíbem de matar um homem? E quem faz mais do que um homem não vale pelo menos tanto quanto ele? Pois sou eu a humilde avezinha, entoando a minha tagarelice que faço elevar-se toda essa floresta de pinheiros; bordo a beira das matas com o verdor dessas viçosas árvores de ereção perfeita; multiplico o madeiro providencial que te serve de teto, que te dá o verde das invernadas, que te engorda o porco, que te aquece o corpo, que te locomove dando o nó de pinho para substituir o carvão-de-pedra nas vias férreas.

E ignoras como opero! Venha até o local onde interrompeste meu trabalho. Ali está a cova que eu fazia, para depositar nela o pinhão sem cabeça com a extremidade mais fina para cima. Tiro-lhe a cabeça porque ela apodrece ao contato da terra e arrasta à podridão o fruto todo e planto-o de bico para cima a fim de favorecer o broto. Vá e não sejas mais assassino. Esforça-te, antes, por compartilhar comigo nesta suava labuta.” Levantei-me então a muito custo e fui até o local escavado pelas aves, uma das quais jazia com o peito manchado de sangue, ao lado de um pinhão sem cabeça. Pude compreender que certeza da visão. Mais adiante, com as mãos remexi na terra revolvida e descobri um pinhão com a ponta para cima e sem cabeça. José Fernandes, após uma pausa, concluiu:

– “Aí, está, caro Fidêncio, como vim a ser um plantador de pinheiros. Quero valer mais que um homem: quero valer uma gralha azul”.