A COPA DO BRASIL E A (DIS)PARIDADE DE ARMAS.

Podem dizer que é mi mi mi, mas a verdade é que o assunto que pretendo abordar já deveria ter sido tratado muito antes da partida de quarta (26). Não falarei sobre a justiça ou injustiça do resultado, até porque não pude acompanhar a partida por motivos de trabalho; tampouco quero entrar no mérito de a Confederação Brasileira de Futebol ter de fato ignorado o dever de proteção dos atletas e profissionais em geral; apenas quero abordar de maneira arrazoada, e não emocionada, um outro assunto fora das quatro linhas. Trata-se da decisão que entendeu pelo retorno da Copa do Brasil sem observar o princípio da paridade das armas.

Resumindo a situação para o leitor de um outro tempo. A Confederação Brasileira de Futebol, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde com relação à pandemia da Covid19, suspendeu desde o dia 16/3/2020, por prazo indeterminado, todas as competições sob sua coordenação. Àquela altura, a Copa do Brasil, competição mais democrática do futebol brasileiro, estava na sua 3ª fase, recém ocorrido o jogo de ida. Nesta última terça-feira (25), retomou-se a competição com 20 times na disputa por 10 vagas na etapa seguinte, agora com a restrição do ingresso de público nas praças desportivas;

Assim como em um processo judicial, nos esportes impera o princípio da paridade das armas. Tal princípio quer significar que em um duelo justo, ambos os combatentes devem estar exatamente à mesma distância da vitória, em condições absolutamente iguais, de forma que as armas devem ser idênticas para estarem em pé de igualdade. Considerem um duelo entre dois homens, em que um desembainha uma espada enquanto o outro engatilha uma arma de fogo. Isso parece justo?

Nessa esteira, é certo que em uma disputa qualquer, de qualquer esporte, ambas as equipes ou competidores devem ter as mesmas condições para alcançar a vitória, sob pena de a disputa não ser justa. Aliás, os esportes encerram, em sua essência, elevados valores morais à sociedade. Seja como for, este princípio serve a evitar que haja um desequilíbrio global em prejuízo de um dos competidores.

Falo isso porque quando a CBF proferiu uma decisão revogando a suspensão do campeonato, dando continuidade à copa do Brasil na forma como esta se encontrava, ela incorreu em um erro manifesto. Se de um lado a situação não requer portões abertos, de outro ela não pode chancelar uma injustiça, econômica inclusive.

Alguns poderiam argumentar: “mas estamos em pandemia, uma situação totalmente atípica e extremada, não teria como jogar com portões abertos.” Realmente é verdade que a situação justifica medidas excepcionais, porém, a exata medida da excepcionalidade é jogar com portões fechados e não legitimar um ato viciado, já que em vantagem clara a uma das partes, porque jogou com pelo menos um jogador a mais, o 12º estava em campo, seu torcedor.

É também verdade que a nossa insuperável torcida preparou todo o possível para minimizar a nossa ausência, em uma festa tão linda quanto triste e esperançosa.

Desse modo, para que a decisão proferida pela CBF, que entendeu pela continuidade da competição, fosse minimamente justa, ela teria que ter anulado os jogos de ida da 3ª fase da Copa do Brasil. E por que não o fizeram? Aí realmente temos que analisar os termos dessa decisão. E analisando a Resolução 5/2020, STJD, verifica-se que esta simplesmente silenciou quanto à eventual desvantagem à metade dos clubes que estavam disputando a Copa do Brasil.

Aliás, é engraçado observar que na mesma Resolução em que o STJD impulsionou os profissionais ao risco, ele preocupou-se em salvaguardar a saúde de seus membros,  audiências, só por meio virtual, in verbis:

“Art. 1º Fica revogada a suspensão dos prazos processuais estabelecida pela Resolução 002/2020, de 16 de março de 2020, a partir desta data, 20 de maio de 2020.

Art. 2º Fica mantida a suspensão de sessões de julgamento presenciais, sendo autorizadas, tão somente, suas realizações por meio eletrônico/virtual”

Não podemos afirmar as razões que levaram a CBF a fazer uma finta na equidade, mas podemos verificar quais foram os clubes prejudicados na terceira fase, foram eles: Paraná, Afogados,  América -RN, Goiás, Vitória, São José, Brusque, Fluminense, América-MG e CRB, e destes apenas os quatro últimos conseguiram avançar para a próxima fase da competição.

Sobre esta controvérsia é interessante observar algumas questões afetas ao direito desportivo. A primeira delas é que o direito desportivo é chancelado pela autorregulação. Ao contrário das outras disciplinas, são os próprios destinatários da norma (Federações, Confederações, Associações desportivas)  que editam suas próprias normas e também a elas se sujeitam. Aí, percebemos que apenas devemos nos sujeitar aos ditames da CBF. Todavia, outra peculiar característica do esporte em si é a sua vocação transnacional. Isto é, as normas que regem o esporte têm um caráter transnacional conferido pelas próprias entidades desportivas, as quais editam normas que se aplicam a todo o globo e que condicionam todos os modelos de governança esportiva prevalentes no mundo. E aí justifica-se com maior razão a observância de um princípio tão basilar do mundo esportivo.

Obviamente, não se defende aqui o retorno das competições com o ingresso de público nas praças desportivas; ao contrário, é evidente que não é esta uma situação desejável pelo momento, o que se procura argumentar é que a terceira fase, em específico, desta competição específica, está eivada e maculada pela iniquidade. A única solução possível a nosso ver teria sido a anulação das partidas referentes ao jogo de ida, propiciando uma igualdade de condições entre os adversários. Mas, parafraseando o Min. Luís Roberto Barroso, o esporte, mais do que o reflexo do Brasil, é a janela pela qual os brasileiros tentam observar tudo aquilo que o país poderia ser.



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